Quem manda mensagens abusivas pelo app pode cometer de
difamação a discriminação e ter de responder na esfera cível e criminal.
Longe de ser uma terra sem lei, no WhatsApp, o que você
disser pode ser usado contra você. Até nos tribunais. Brasileiros que se
sentiram ofendidos com algo escrito no aplicativo de mensagem mais famoso do
mundo recorreram à Justiça e conseguiram que os ofensores pagassem
indenizações, que chegaram a R$ 13 mil.
“Aquilo que podiam ser palavras ao vento agora ficam todas registradas nessa praça digital, que, por ser pública, tornam o ato ridicularizante”, resume Patrícia Peck Pinheiro, advogada especialista em direito digital. Ela lembra que, desde a entrada em vigor do Marco Civil da Internet em 2015, as empresas que mantêm plataformas digitais deixaram de ser responsabilizadas judicialmente pelo conteúdo publicado por usuários - só passam a ser alvo se descumprirem determinações da Justiça, como a de remover postagens.
A.* ouviu da amante do marido detalhes das relações sexuais,
em mensagens também enviadas a sua filha, uma criança. J. foi alvo de piadas
após um conhecido espalhar boatos de um caso entre eles.
A.D. era
constantemente chamada de “gorda”, “feia”, “bunda mole” e “bigoduda” pelo
chefe. R. teve fotos íntimas incluídas em montagem pornográfica. Em comum, as
quatro foram alvo de assédio pelo WhatsApp (leia os casos abaixo).
Mulher ridicularizada em grupo com 17 homens
J., de 21 anos, era alvo de comentários em um grupo de
WhatsApp composto por 17 homens. G., um dos integrantes, sugeria em áudios e
mensagens ter tido relações sexuais com ela e ter sido o responsável por tirar
a virgindade da moça. Até ser avisada por uma amiga, que começou a se
relacionar com uma das pessoas do grupo, a jovem desconhecia o teor do
bate-papo.
Ao saber, pediu à família do ofensor que intercedesse, mas
não foi atendida. Foi aí que resolveu processá-lo por difamação e danos morais.
No dia 13 de janeiro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou um
recurso da defesa e determinou pagamento de indenização de R$ 10 mil.
"De maneira injustificada, o réu teve o intuito de
prejudicar a reputação da autora. Não se demonstrou nos autos que autora e réu
tenham tido algum relacionamento anterior, onde tenha restado mágoa ou
ressentimento por parte do réu que o tenha levado a praticar tais
atitudes", diz o desembargador Silvério da Silva, na decisão de 2ª
instância. Ainda cabe recurso.
G. também responde a um processo criminal por difamação, diz
o advogado de J., Alexis Claudio Muñoz Palma.
Ofendida por amante do marido
Em maio de 2016, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
decidiu que A. recebesse R$ 2 mil da amante do marido, que a ofendeu em
mensagens por WhatsApp. Ser chamada de “coitada”, “otária”, “burrinha” e
“chifruda”, disse a mulher, a fez entrar em depressão, o que a obrigou a
abandonar o emprego. Não bastasse as ofensas dirigidas a ela, teve de lidar com
mensagens e ligações feitas diretamente à filha, então com 9 anos.
"Em verdade, o que se mostra contrário ao direito –
muito mais do que a infidelidade do marido – são as diversas ofensas promovidas
pela ré em desfavor da autora, ofensas essas que ultrapassam a esfera do mero
dissabor”, afirmou o desembargador Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, relator
do processo.
Funcionária de loja xingada por chefe
Em Santa Catarina, a loja de artigos esportivos Diederichsen
foi condenada a pagar R$ 13 mil a uma funcionária xingada constantemente por
seu chefe em mensagens compartilhadas diariamente em um grupo do WhatsApp que
reunia funcionários.
Para o desembargador Garibaldi Tadeu Pereira Ferreira,
relator da ação, o “atos atentatórios a sua dignidade” “tinham o objetivo de
coagi-la a pedir demissão”.
Montagem pornográfica feita por menor de idade
Menores de idade não estão livres de enfrentar punições. R.
teve algumas fotos íntimas usadas em montagem pornografia que foi
compartilhadas por M., uma colega de escola As circulação das imagens começou
no Twitter, continuou pelo WhatsApp e terminaram na Justiça.
A mãe dela processou os pais da ofensora e, em agosto de
2015, a Justiça de São Paulo determinou pagamento de R$ 30 mil a título de
indenização de danos morais. Mas depois reduziu a indenização para R$ 7 mil.
"Tem aumentado o número de processos sobre o tema. É
jurisddipudrência pacífica que quem divulga ou quem mesmo curte [conteúdo
ofensivo] tem o dever de indenizar", afirma André Sbrissa, advogado de R.
Patricia Peck Pinheiro diz que o problema é enfrentado até
por escolas. No ano passado, ela auxiliou um colégio de alto padrão de Salvador
(BA) que se viu às voltas com uma divergência entre alunos que foi parar na
delegacia.
Em um grupo no WhatsApp, cinco estudantes escreveram ofensas
contra as 12 meninas da lista. Diziam, relata a advogada, que nem sabiam por
que elas estudavam, já que acabariam como donas de casa.
O pai de uma delas registrou um boletim de ocorrência. Por
serem menores, os rapazes receberam penas socioeducativas: tiveram de apagar as
mensagens, pedir desculpas e apresentar palestras na escola sobre diversidade
de gênero.
Outros crimes
Quem manda mensagens abusivas por apps de bate-papo ou por
redes sociais pode ser responsabilizado tanto na esfera criminal quanto na
cível, explica a advogada Patrícia Peck Pinheiro. Em uma esfera, as penalidades
são financeiras, como o pagamento de indenização; na outra, a pena pode
envolver prisão.
Dependendo do teor, essas mensagens podem configurar
diferentes crimes, desde calúnia, difamação ou injúria até preconceito racial e
ameaça. Os autores das mensagens podem ser acionados até mesmo se a pessoa
ofendida não for uma das destinatárias, que foi o caso de J.
Mesmo a fofoca digital, ainda que não seja ofensiva, pode
gerar ações na Justiça. Entra aí a reiteração jocosa das características de uma
pessoa (por exemplo: “fulano ri muito”), comportamento comum em casos de
bullying. O crime seria abuso da liberdade de expressão.
Até membros de um grupo de mensagens que não ofendam ninguém
mas mantenham o silêncio podem ser enquadrados, diz a advogada. “Nos casos do
grupo de WhatsApp tem tido uma situação que aquele que fica em silêncio pode
ter uma responsabilidade por cumplicidade”, diz. “O que fica calado concordou.”
Eles cometeriam crime de omissão. Nesses casos, a orientação é sinalizar
discordância ao menor sinal de mensagens agressivas.
*Os nomes foram trocados pelas iniciais para preservar
vítimas
FONTE: G1
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